quarta-feira, 23 de abril de 2025

[#1457][Nov/1999] INDIANA JONES AND THE INFERNAL MACHINE


[SEDE DA FACTOR 5 – INÍCIO DA NOITE]

O escritório está abarrotado de kits de desenvolvimento, monitores CRT e fluxogramas de aparência ameaçadora com o rótulo "Alocação de Memória RE2 – NÃO TOQUE". Um punhado de desenvolvedores da Factor 5 se esparramam em pufes ou se encontram desfalecidos sobre as mesas, olhando para a tela brilhante onde Claire Redfield acabou de se afastar em direção ao pôr do sol pela milésima vez.

DEV 1  (olhos tremendo, voz rouca):
Ok, conseguimos. RESIDENT EVIL 2 roda no Nintendo 64. Em um cartucho. Com dublagem. Acho que vi Deus durante a última passagem de compressão.

DEV 2 (esfregando as têmporas):
Não, foi só o devkit pegando fogo de novo. Mas é, socamos dois CDs em 64 MB. Então... o que vem a seguir? Dominar o mundo?

DEV 3 (sorrindo):

[Todos param e olham fixamente. Um dos CRTs faz “piiiii” e morre. Som de alguém claramente pegando uma faca]

DEV 1 (lentamente):
Cale essa sua boca blasfema.

DEV 2 (sério):
Mesmo que conseguíssemos fazer a Square assinar um pacto suicida em forma de contrato... Você quer enfiar 3 discos, centenas de fundos pré-renderizados e todos os daddy issues do Cloud em um cartucho do N64?

DEV 3 (dando de ombros):
Só dizendo. Já somos cientistas loucos. Poderíamos muito bem tentar necromancia.

DEV 4 (olhos injetados, falando sem tirar os olhos da tela):
TOMB RAIDER? Propriedade intelectual grande. 3D. Quebra-cabeças. A anatomia mais triangulada do mundo.

DEV 1:
A Eidos ia querer nossas almas. E nossos rins. E provavelmente metade dos da Nintendo também. De jeito nenhum eles nos deixariam chegar perto da Lara.

[Pausa. Silêncio. Um cooler explode ao fundo.]

DEV 2 (lentamente):
Espera... a gente ainda tem aqueles contatos antigos da LucasArts, certo?

DEV 3 (confuso):
Acho que sim... mas como TOMB RAIDER encaixa com Star Wars?

DEV 2:
Não, não — a gente trabalhou com eles em INDIANA JONES GREATEST ADVENTURES. SNES. 1994. Lembra?

DEV 4 (se senta):
Peraí… você não tá dizendo…

DEV 2: (olhar determinado)
A LucasArts tem aquele jogo da Infernal Machine para PC, certo? 3D completo, quebra-cabeças, armas, armadilhas, física de chicote... basicamente TOMB RAIDER, mas com mais ousadia e menos polígonos.

DEV 1 (estreitando os olhos):
Você tá dizendo… que a gente pode fazer TOMB RAIDER pro N64… sem pagar por TOMB RAIDER?

DEV 2:
Exatamente. Indy tem reconhecimento de marca. O jogo já está pronto. Só precisamos portá-lo.

DEV 3 (recostando-se):
E por "", você quer dizer "enfiar 600 MB de tecno-linguagem babilônica/monólogos soviéticos e 15 fases cada uma do tamanho de uma ilha inteira de Banjo-Kazooie em um cartucho do tamanho de uma empada?"

DEV 1:
Senhores... liguem para a LucasArts.

DEV 4 (sorrindo nervoso):
Vocês querem mesmo comprimir uma máquina de morte interdimensional inteira em 32 megas?

DEV 1 (já pegando o telefone):
Comprimimos um apocalipse zumbi. Isso vai ser… um passeio no parque.

DEV 4:
Claro. Esse parque fica em Osasco, mas claro.

[Ouve-se um trovão do lado de fora da janela. A sala se ilumina brevemente como um laboratório de ciências maluco. Com maior ou menor grau de desespero, todos concordam silenciosamente.]


Vamos deixar uma coisa bem clara desde o início: Indiana Jones e a Máquina Infernal não é uma gema escondida. Não é uma obra-prima incompreendida. E definitivamente não é aquela sequência de INDIANA JONES and the Fate of Atlantis que você fica alucinando durante uma maratona de Coca-Zero quente e solidão causada pela morena que visualiza mas não responde no Instagram.

Não. Máquina Infernal é algo muito mais mundano: é o clone número #8547 de Tomb Raider, lançado numa época em que todo mundo e a mãe de todo mundo já tinha feito um clone de Tomb Raider. Diabos, a própria Core Design já tinha enfileirado quatro jogos da Lara — isso mesmo, Q-U-A-T-R-O, um por ano, como se fosse um compromisso fiscal.

Então não, mais um clone da Saqueadora de Tumbas mais amada da cultura gamer não era exatamente algo que faria o planeta tremer. Mas… isso quer dizer que o Indyzão da Massa e sua Parada do Cramuião é um jogo ruim? Na real, não. Pelo contrário.

No PC, Indiana Jones and the Infernal Machine é um jogo bom. Respeitável. Uma aventura pulp honesta, com um certo charme de matinê e um Indy que ainda tem forças pra bater em comunistas com o mesmo chapéu gasto de sempre.

Os controles, graças aos deuses antigos do teclado e mouse, não são no estilo tanque (aleluia, irmão), mas ainda assim conseguem ser meio desengonçados (desaleluia, irmão). Os puzzles têm uma qualidade sólida, daquela que te faz coçar o queixo em vez de bater a cabeça na parede — o que, em se tratando de jogos 3D dos anos 90, é praticamente um Oscar técnico.


A trama é uma colcha de retalhos do jeitinho que a gente gosta: tecnologia ancestral de destruição em massa da Babilônia, espiões soviéticos de bigode ameaçador, uma máquina do Juízo Final que dobra dimensões movida por — o que mais? — rochas brilhantes e trauma religioso. Tudo isso embalado por um Indy que resmunga com aquele humor cínico da Lucas Arts, resolve enigmas mortais, balança sobre fossos da morte e, de vez em quando, lembra como mirar uma arma sem mirar no próprio pé.

Não é ruim. Juro. De verdade: não é um jogo ruim. Só não espere um renascimento digital de Fate of Atlantis. Espere mais algo como: Tomb Raider com menos decotes e mais diplomatas comunistas surtados. Em sua essência, Infernal Machine se assemelha a um Tomb Raider de nível B, com mais exposição e menos shortinhos curtos. É uma mistura de exploração, resolução de quebra-cabeças, plataformas leves e combate desajeitado — mais ou menos nessa ordem de diversão.

As fases são extensas e impressionantemente verticais. Cada um é uma masmorra de vários níveis com alavancas, plataformas giratórias, corredores cheios de armadilhas e saltos cronometrados que obedecem, em grande parte, às leis da física. Este é um design old-school: sem ajuda, sem marcadores de missão e definitivamente sem vergonha de te matar por não prestar atenção. E mesmo prestando atenção, instadeaths do tipo "AHA!  Te peguei!" não estão além disse jogo (mas você pode salvar em qualquer momento, então não é o fim do mundo tb)

Esse super isqueiro pode não ser muito realista, mas ele é tão melhor que os flares de Tomb Raider que eu vou te contar...

Você passará mais tempo empurrando blocos e acionando interruptores do que lutando de fato, o que é bom, porque o combate é indiscutivelmente a parte mais fraca do pacote. O sistema de mira de Indy é inteiramente automático, e não o tipo bom de automático - o tipo que  você tem bem menos controle do que gostaria sobre como a mira trava. Seu arsenal inclui pistolas, rifles, granadas e o clássico chicote — usado principalmente para atravessar buracos ou resolver quebra-cabeças, em vez de combate real. 

Dito isso, o game design é bom. Há uma satisfação verdadeira em entender a lógica do jogo. Os quebra-cabeças variam de "puxe esta alavanca" a configurações completas de máquinas antigas, onde você alinha relíquias celestiais enquanto evita poços de lava. Há um charme tátil em como as coisas se clicam quando você decifra o design arcaico do quebra-cabeça. Você se sente inteligente ao progredir, principalmente porque o jogo raramente diz como.

Só esteja preparado para uma boa dose de backtracking e uma câmera que te odeia ativamente. Navegar por saliências estreitas enquanto a câmera faz uma pirueta de crise de meia-idade é apenas parte do ritual de trote. Mas a esse ponto, honestamente eu já me acostumei com pior. Então até onde os clones de Tomb Raider vão, esse jogo do Indy pode não ser algo que vai desbancar nossa Laurinha querida... Bem, ele não é TOMB RAIDER, e definitivamente não é TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft, mas vou ser ousada aqui e dizer que me diverti mais com o level design de Infernal Machine do que com TOMB RAIDER 3: Adventures do Lara Croft e TOMB RAIDER: The Last Revelation

Mas precisava mesmo até usar os mesmos efeitos sonoros de Tomb Raider?

Jogo bonito, bem feito, vida que segue… ou pelo menos seria assim, se a história terminasse por aqui. Mas é justamente a partir desse ponto que as coisas começam a ficar realmente interessantes. Um ano depois do lançamento original, a Factor 5 decidiu portar Infernal Machine para o Nintendo 64 — o que, como você deve lembrar, nos traz de volta ao início desta review.

Pra entender o peso dessa decisão, é bom recapitular um pouco a história. Em 1998, a Angel Studios — que mais tarde viria a se tornar nada menos que a fodenda Rockstar San Diego, criadora de Red Dead Redemption — realizou um dos maiores milagres técnicos da sua era e de todas as eras: portar os dois CDs de RESIDENT EVIL 2 para um cartucho de Nintendo 64. Não apenas sem perder conteúdo, mas adicionando extras. Foi um feito monumental, digno de aplausos em câmera lenta.

Mas essa conquista teve mais de uma mão por trás. A compressão de áudio, uma das partes mais críticas do processo, foi conduzida em grande parte pela Factor 5. E trabalhando lado a lado com a Angel Studios, eles aprenderam uma quantidade absurda sobre compressão, streaming de dados, otimização e, em resumo, como espremer uma baleia dentro de uma garrafa sem quebrá-la.


Esse conhecimento deu frutos. A Factor 5 saiu dessa experiência com a confiança necessária para tentar o impensável: portar um jogo estilo Tomb Raider — exploração 3D, ambientes gigantescos, trilha sonora, física, tudo — para o Nintendo 64.

BEM, TÁ, OKAY, ELES PORTARAM UM CLONE DE TOMB RAIDER PARA O NINTENDO 64. E POR QUE ISSO É UMA GRANDE COISA? EXISTEM VÁRIOS DESSES CLONES

Sim, existem. E não é coincidência que nenhum deles tenha dado as caras no Nintendo 64. Não foi porque os estúdios da época acharam que “ah, dono de N64 só quer saber de Mario e Pokémon”. Não. A real é muito mais técnica — e muito mais impressionante.

Essa é a versão de Nintendo 64, que usa o mesmo esquema de botões e atalho para itens nos botões C que... THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time? Por alguma razão?

Os jogos no estilo Tomb Raider vinham cheios de mapas enormes, ambientes complexos, físicas rudimentares, música ambiente contínua em qualidade de CD, múltiplas animações por personagem, efeitos sonoros variados e cutscenes com dublagem. Tudo isso soa perfeitamente viável hoje, mas lá em 1999, colocar isso tudo em um cartucho era como tentar enfiar uma múmia inteira num pote de vidro.

O Nintendo 64 era, sim, mais poderoso que o PlayStation 1 em termos de processamento gráfico. Texturas melhores, modelos mais detalhados, e uma fluidez invejável quando bem programado. Mas o problema sempre foi o cartucho. Enquanto o PS1 usava CDs de 650MB, o cartucho do N64 raramente passava de 32MB — com alguns jogos "monstruosos" chegando a 64MB e custando um rim.

Pra você ter uma ideia: uma única fase de Tomb Raider (e Infernal Machine segue a mesma escola, com fases ainda maiores) contém mais dados brutos do que uma dungeon inteira de THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time. E olha que Ocarina foi desenvolvido pela própria Nintendo, com recursos infinitos, obsessão por polimento e acesso irrestrito a cada parafuso da arquitetura do console.


E o que você encontra lá? Oito dungeons. Oito. Chorando no limite do cartucho.

Agora compare com Infernal Machine, que foi portado por uma equipe terceirizada, com um orçamento apertado e sem o mesmo suporte divino da Big N. Esse jogo tem quinze fases — cada uma delas gigantes, verticais, cheias de scripts, cutscenes animadas e linhas e mais linhas de diálogo com dublagem completa.

E mais: Indy tem mais movimentos que o Link de Ocarina. Ele escala, se pendura, rola, salta em ângulos múltiplos, nada com mais liberdade, usa várias armas, interage com mecanismos. E tudo isso com animações suaves e detalhadas. Tudo isso rodando em tempo real num cartucho apertado como caixão de faquir.

Então dá pra entender o milagre?



Fazer um jogo estilo Tomb Raider funcionar no N64 não era só difícil — era quase um tabu técnico. Um “não se faz porque não dá”, aceito como verdade universal.
E mesmo assim, Infernal Machine está lá. Rodando. Completo.

O simples fato desse port existir já é uma façanha digna de ser estudada em universidades de engenharia de software. E não só ele existe — ele funciona bem. Não é um downgrade mutilado, não é um “quase”. É o jogo. E isso, meu amigo, não se encontra todo dia.

Claro, pelo amor de Arceus, não vá pensar que eu estou dizendo que Indiana Jones é melhor que THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time. Eu sou meio abublé das ideias, mas nem tanto. O level design de Zelda é o Absolute Cinema dos videogames, e nem preciso dizer que sequer cabe comparação. Controlar Indy não é tão bom nem quanto Tomb Raider, quanto mais se colocar lado a lado com Zelda. E o combate — como já dito — só serve pra te lembrar de agradecer que o jogo usa pouco dele.


Mas a ambição... ah, essa sim é assombrosa.

Especialmente quando você entende o que o Nintendo 64 pode e o que ele simplesmente não consegue fazer. E eu ouso dizer que, depois de mais de cem reviews de N64 nas costas, aprendi algumas coisinhas nesse caminho tortuoso. Chega a ser intimidador que esse jogo sequer exista da forma que existe.

Enquanto o PlayStation estava lá fora, todo pimpão, abocanhando todas as experiências “cinematográficas”, e a Laurinha estava ocupada girando em câmera lenta pelos templos perdidos do mundo, o N64 finalmente teve sua resposta.

Não mais bonito.
Não mais suave.
Mas milagrosamente presente.


Indiana Jones and the Infernal Machine é um jogo absolutamente mediano — no PC. Bonzinho, com ótimo level design, mas execução meio capenga. Só que no Nintendo 64... ele se transforma em uma anomalia técnica. Um testemunho glorioso e levemente perturbador do que acontece quando desenvolvedores inteligentes decidem desafiar as próprias leis da realidade digital.

Sim, a jogabilidade é desajeitada.
Sim, a câmera parece ter crises existenciais em saliências.
Sim, Indy se movimenta como uma empilhadeira com labirintite.

Mas por trás de tudo isso?
Existe um jogo que não tinha o direito de existir nesse hardware.
E só isso já faz dele algo digno de ser desenterrado, limpo com carinho, e exibido como a relíquia digital que é.


Nota final:
🖥️ PC: 7/10 – Bom, mas nada revolucionário.
🎮 N64: 9/10 – Pela ousadia mitológica de simplesmente existir.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 147 (Janeiro de 2000)


EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)


EDIÇÃO 165 (Julho de 2001)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 081 (Dezembro de 2000)