Não faz nem uma semana que eu vomitei meia dúzia de verdades sobre EARTHWORM JIM 3D, e não tem como tocar naquele... jogo de qualidades abertas ao debate, vamos chamar assim... sem falar da criadora original da franquia, a gloriosamente caótica Shiny Entertainment.
Naquele texto, eu expliquei que a Shiny é aquele tipo de estúdio que tem ideias brilhantes saindo pelo ladrão (EARTHWORM JIM 2 que o diga), mas quando chega a hora de transformar essas ideias em algo que funcione... bom, digamos que existe um motivo pelo qual eles são só a Shiny e não a Naughty Dog.
Mas a parte realmente importante do que eu disse é que eles são tão criativos, mas tão criativos, que detestam fazer continuações. No máximo, um segundo jogo pra dar uma polida nas ideias, ajustar umas arestas... mas trilogia? Aí já vira ordenha de vaca, e vaca eles preferem empalhar como peça conceitual numa galeria de arte interativa. O lema dos caras é “ideia nova, projeto novo, bola pra frente que a vida é curta demais para não ter ideias novas.”
E é justamente por isso que eles não estavam nem um pouco empolgados pra fazer Earthworm Jim 3 — como eu já detalhei na minha dissecação anterior. Mas aí surge a pergunta que não quer calar: se os delírios minhocais em 3D foram repassados pra outra empresa (com resultados... err, questionáveis...), o que diabos os maluquinhos visionários da Shiny estavam cozinhando então? É isso que vamos descobrir agora.
Messiah é, basicamente, um Doom ao contrário.
"MESSIAH É MOOD? O QUE ISSO AO MENOS SIGNIFICA?"
Calma, Jorge. Não é pra levar tão ao pé da letra, caramba. O que eu quis dizer é: em vez de abrir um portal pro inferno, como no clássico banho de sangue que é Doom, aqui a humanidade foi mais ousada — achou de bom tom abrir um portal pro paraíso. Porque claro, se conquistar o inferno deu certo, por que não meter o pé na porta do céu também?
A Terra agora vive sob o punho de ferro de um sujeito com nome do primo ditador religioso que vira caminhão nas horas vagas: Father Prime. O homem já conquistou o inferno, aprisionou o cramuião em pessoa, e quando decidiu mirar sua sanha expansionista pro alto, Deus olhou lá de cima, suspirou e murmurou um resignado: “Ah... well, fuck.”
É aí que você entra: um anjo. Um querubim. Um emissário celestial de poder divino... Chamado Bob. Sim. Bob. O nome mais angelical desde que Gabriel virou entregador de pizza no centro.
Enfim — Bobão da massa, enviado à Terra contra a vontade, com a missão de dar um basta nas aspirações megalomaníacas do Prime. Um verdadeiro cruzado sagrado. Um escolhido. Um instrumento da vontade divina.
Hã... não exatamente. Na verdade, como combatente, Bob tem a letalidade de um travesseiro molhado. Sua habilidade principal é... bater as asas e flutuar por alguns segundos. Tipo uma galinha nervosa tentando escapar do almoço de domingo.
E... é isso.
DEUS NÃO TINHA NADA MELHOR PRA MANDAR, NÃO?
Provavelmente sim. Mas vai ver Ele não tava nem aí. Ou então achou que os humanos iam tropeçar sozinhos na própria arrogância como sempre. Mistérios divinos, Jorge. Mistérios divinos.
O que sabemos com certeza é que Bob pode não ser um exímio guerreiro, mas ele tem um truque especial — e é aí que a mecânica do jogo brilha: ele pode possuir corpos. Humanos, androides, o que tiver à mão (sim, inclusive robôs, porque aparentemente, sonhar com ovelhas elétricas é o suficiente pra contar como ter alma agora.)
E olha, vou te dizer: quando descobri que essa era a mecânica principal de Messiah, eu fiquei genuinamente empolgado. A ideia de sair por aí possuindo corpos — humanos, robôs, o que respirasse ou zumbisse por perto — usando suas habilidades únicas pra cumprir missões e espalhar o caos… parecia promissor pra caramba.
A vibe me lembrou um dos meus guilty pleasures: Driver: San Francisco — aquele jogo maluco em que você pula de um carro pro outro com o poder do... coma? (é estranho, espero que esse blog um dia chege nos jogos de 2011). Mas enquanto Driver é sobre derrapar nas esquinas de São Francisco possuindo taxistas em crise existencial, Messiah é mais sobre pew pew, motherfucker, com uma pitada de sacrilégio
Parece a receita da felicidade, não? Anjos, possessão demoníaca invertida, robôs com alma e caos urbano — o selo Shiny de criatividade delirante! O que poderia dar errado?
...Bem. A parte em que a Shiny tem uma criatividade insana, mas a coordenação motora de um polvo bêbado numa rave para executa-la. Messiah não é o jogo que eu esperava. Ou melhor: ele é, mas só durante uns 5% do tempo. O resto é uma salada indigesta de stealth tosco com plataforma 3D terrível.
E quando você não está plataformando terrivelmente, você está furtivando ou atirando terrivelmente. A estrutura é simples na teoria: você só pode morrer enquanto estiver na sua forma de querubim. Quando possui um corpo e ele morre, você simplesmente é ejetado de volta à sua forma original com a vida cheia — a não ser que esteja jogando no modo hard, aí sim o jogo fala “pau no seu anjo” e te leva junto. Equilíbrio divino, né?
Quando você possui um corpo e sai, ele desfalece (efetivamente saindo de combate). O que nos levanta a questão: o que, exatamente, te impede de só ficar trocando de corpos? A resposta é muito simples: nada. Absolutamente nada. O seu único risco de morrer é levar tiro enquanto está indo de um corpo para o outro, ou lutando contra máquinas que não podem ser possuídas. E se isso ainda fosse o preço a se pagar por um graaande combate, mas a coisa é tão sem peso e frouxa que parece que um jogo de plataforma do Amiga virou um third person shooter. Yay.
As sessões que não são de tiro (ruim) ou plataforma (ruim) usualmente são de furtividade pior ainda, dado que a Shiny não tinha a mais remota expertize em programar campos de visão e IA para isso ser satisfatório. Se você acha que os guardas de Metal Gear Solid não são os lápis mais bem apontados da caixa, é porque nunca caminhou atrás dos guardinhas aqui.
A melhor parte do jogo, e o que efetivamente impede que a coisa toda seja uma desgraça, são as partes em que vc tem que se infiltrar através de disfarces - ou possuindo as pessoas certas, no caso. No melhor estilo proto-Hitman, para acessar alguns lugares você precisa possuir alguém com as credenciais certas - seja um cientista, um militar com uma patente superior ou até mesmo o faxineiro para transitar em determinadas areas sem chamar atenção.
Messiah é um jogo que quer ser Hitman, Metal Gear, Doom, Abe’s Oddysee e Quake ao mesmo tempo, mas termina sendo uma colagem disforme de tudo isso com um pouco de cola de escola infantil e muito glitch. As boas ideias — porque elas existem, e são brilhantes — são soterradas por mecânicas quebradas, controles tortos e uma execução que beira o trágico.
E no fim do dia, esse jogo é um perfeito estudo de caso da Shiny: criativa demais pra seguir regras, desastrada demais pra criar padrões. Um jogo que brilha em teoria e tropeça na prática. Vale a pena jogar pela curiosidade da ideia, o humor é excelente (o Querubim derrubando um ditador a contragosto, Deus no modo foda-se, o Diabo botando pilha, tudo funciona magnificamente) e lembra tudo que há de bom a respeito da Shiny, pena que jogar o jogo te lembra tudo que há de ruim a respeito deles também.
Ou, como disse Jim Preston na NextGen (como eu já disse mais de uma vez, minha revista gringa favorita), disse: "Se você conseguir superar algumas falhas técnicas, controles estranhos e jogabilidade rotineira, Messiah vai cumprir o que promete — por um tempo".
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 053 (Agosto de 1998)
EDIÇÃO 069 (Dezembro de 1999)