domingo, 27 de abril de 2025

[#1461][Dez/1999] SAMURAI SHODOWN: Warrior's Rage

A longa era de paz manteve a terra em uma calmaria suave e trêmula — e com ela, a era da espada desapareceu na memória. No entanto, nem todos puderam depor suas lâminas. Alguns se recusaram a se render à maré suave da história e, de sua resistência, o caos se enraizou. Para reprimir a crescente agitação, o xogunato concebeu uma solução tão fria quanto calculada: uma ilha-prisão, lançada à deriva no mar perto de Edo, para onde os abandonados seriam exilados — uma "colônia de prisioneiros", um local final de reforma... ou ruína.

Mas a ambição é um fogo que não se apaga tão facilmente.

Do solo apodrecido da ilha surgiu um sonho mais sombrio. Uma facção de visionários implacáveis ​​— guerreiros de poder incomparável — tomou o controle da terra abandonada. Eles se autodenominavam Liga das Três Lâminas da Dominação. E buscavam mais do que sobrevivência. Eles forjariam um novo mundo para os "escolhidos", sobre os ossos do antigo. Eles derrubariam o próprio xogunato.

Um a um, os fortes subjugaram os desesperados. A ilha Ritenkyo, antes considerada um berço de reabilitação, tornou-se um caldeirão de violência. A ilegalidade reinava, e a sobrevivência pertencia aos implacáveis. Vinganças. Traições. Batalhas intermináveis ​​até a morte.

Neste poço de ódio, as Três Lâminas se fortaleceram, alimentando-se do derramamento de sangue que haviam desencadeado. Então, em uma noite sem lua, mais negra que o pecado, a vela tremeluziu. Da luz trêmula, uma sombra se desenrolou — uma figura envelhecida com um rosto calmo e indecifrável.

"Eles chegaram?", perguntou o velho, sua voz como o raspar da seda no aço.
"Sim, Lorde Oboro. O menino e a menina de olhos vermelhos chegaram", sussurrou o invisível.

Silenciosamente, o ancião se levantou. Suas pálpebras, antes cerradas em um sono aparente, se abriram de repente — e ali, ardendo com malícia silenciosa, estavam dois olhos cor de sangue. O vento cortou a noite, apagando a vela frágil. A escuridão engoliu tudo mais uma vez.

Anos se passaram.

No alto de uma torre em ruínas, três figuras contemplavam o coração apodrecido de Ritenkyo. Um espadachim imponente. Uma mulher pálida cuja beleza era tão letal quanto sobrenatural. E atrás deles, sempre presente, a figura envelhecida do Lorde Oboro, olhos brilhando com desígnios ocultos. O sol atingiu seus olhos carmesim, incendiando-os com um fogo sinistro.

A voz da mulher deslizou pelo ar viciado: "Alguns vermes com quem temos negócios inacabados se infiltraram em Ritenkyo. Eles não deixarão nossos planos se concretizarem tão facilmente."

O homem alto riu baixinho, o som frio e seguro. "Que venham", disse ele, com o olhar fixo lá embaixo. "Os ratos correrão até nós, não importa o que façamos."

Assim, as Três Lâminas da Dominação se moveram para extinguir os últimos resquícios de paz. E enquanto Ritenkyo mergulhava ainda mais na loucura, guerreiros de todos os caminhos — vingança, dever, redenção — respondiam ao chamado do sangue. Seus destinos colidiriam em uma tempestade de aço e tristeza.

E assim... o capítulo final de uma era começou.
Duelo de Samurais: A Ira dos Guerreiros.

OW, OW, OW, ESPERA, ESPERA, TEMPO, TEMPO... A HISTÓRIA É BONITA E TUDO MAIS, MAS... TU JÁ NÃO FEZ A REVIEW DE SAMURAI SHODOWN 64: Warrior's Rage ?


Então, Jorge, se você está se sentindo confuso com o nome desse jogo, acredite em mim — você não é o único. Esse jogo para PlayStation não é um reboot, uma história paralela ou um spin-off de um universo alternativo. Não, Samurai Shodown: Warriors Rage é, na verdade, uma sequência verdadeira dos dois jogos que quase ninguém fora do Japão teve a chance de jogar: SAMURAI SHODOWN 64 e SAMURAI SHODOWN 64: Warrior's Rage . Sim, isso mesmo — Warriors Rage é uma sequência de Warriors Rage. Sem o "64". Eles são gênios ou o que?

Eu já contei nesse blog A HISTÓRIA DO HYPER NEO GEO 64 que é o maior fracasso da SNK - e seria dos videogames de todos os tempos, não fosse que SAMURAI SHODOWN 64: Warrior's Rage  é um jogo incrivelmente bom. O que fz do Hyper Neo Geo 64, mesmo com apenas 6 jogos, um sistema melhor que o 3DO.

Mas isso não importa agora, e sim que quando Samurai Shodown: Warriors Rage foi lançado para PlayStation, ele deu continuidade a enredos, arcos de personagens e desenvolvimentos de mundo de jogos que quase ninguém tinha jogado ou ouvido falar. Imagine entrar no meio de um filme e descobrir que a primeira metade foi exibida em uma sala trancada sobre a qual ninguém te contou. Essa é a experiência que os jogadores tiveram. Rostos antigos como Seishiro Kuki e Hanma Yagyu retornaram, grandes convulsões políticas já haviam acontecido e o cenário havia mudado drasticamente — tudo sem que o público do PlayStation jamais testemunhasse como ou por quê.

Texto correndinho com tradução do japonês nível Bing, a experiencia arcade da SNK raíz

De toda sorte, eu dizia que a ideia girico da SNK de colocar o mesmo título em ambos os jogos levou os poucos japoneses que jogaram o arcade a presumir que Warriors Rage para PlayStation era apenas uma adaptação para console ou uma versão ligeiramente modificada do jogo — e não uma sequência direta. E isso é um problema sério, porque enquanto SAMURAI SHODOWN 64: Warrior's Rage  é um dos melhores jogos de luta que a SNK já criou... este aqui... ai, este aqui... Bem, vamos falar disso agora...

Em termos de apresentação, Samurai Shodown: Warriors Rage não é feio — pelo menos não de cara. Comparado a algumas das outras monstruosidades em blocos que assombraram o PlayStation no final dos anos 90, ele se mantém decentemente. Os personagens são bem nítidos quando parados, os modelos parecem bem definidos e, à primeira vista, você pode até pensar: "Ei, isso parece... legal!". Mas para um jogo de PS1 de terceira geração, especialmente um que foi lançado depois que os jogadores viram o que o console realmente era capaz de fazer (FINAL FANTASY 8TEKKEN 3 e  SOUL EDGE já existiam a um tempinho), fica claro que Warriors Rage está muito abaixo da sua categoria.


Só que o problema nem é tanto quando os personagens estão imóveis... e sim quando eles começam a se mexer. O movimento é rígido e desajeitado, com animações que mal parecem conectadas de um quadro para o outro. Em vez de guerreiros graciosos e mortais, o que vemos são bonecos enferrujados tropeçando pelo cenário, drenando qualquer sensação de fluidez, impacto ou drama que as batalhas poderiam ter. E então... a jogabilidade começa. E quando isso acontece, acredite: qualquer boa vontade que você tinha com os gráficos evapora mais rápido que a misericórdia de um Shogun

Uma das poucas mecânicas "novas" que Warriors Rage tenta trazer é seu sistema de Barra de Vida estranhamente ambicioso. À primeira vista, você pode pensar que se trata apenas de mais uma barra de vida, como em tantos outros jogos de luta. Mas não — a SNK decidiu que precisava dar "aquele algo a mais". Como funciona aqui: em vez dos rounds tradicionais, onde os jogadores reiniciam após um nocaute, o primeiro round em Warriors Rage dura até que a barra de vida de um lutador seja completamente drenada. Até aí, tudo normal.


Quando a barra de vida esgota, a luta para, o vencedor faz uma pose de provocação e o combate recomeça com o perdedor agora tendo apenas dois terços da mesma. Drene esse, mais uma pausa, outra pose, e agora o pobre coitado luta com apenas o terço final da barra. Só quando essa última seção evapora é que o round termina de verdade.

Resumindo: para ganhar uma luta, você precisa drenar toda a barra, depois dois terços da barra, e depois um terço — e a cada etapa, a ação é cortada para animações obrigatórias. Agora imagine isso acontecendo com ambos os lutadores. Eu entendo o que a SNK queria fazer — criar um clima de duelo épico, onde samurais se agarram com unhas e dentes ao último terço da sua barra de vida — mas na prática, é um festival de interrupções. Uma luta intensa pode ser quebrada quatro, cinco vezes antes de acabar. Pelo amor de Amaterasu, caras... intankável o samuril.


Para tornar a sensação de ser interrompido o tempo todo ainda pior, a jogabilidade em Warriors Rage é dolorosamente lenta. Tecnicamente, é de longe o título mais arrastado e desajeitado de toda a série Samurai Shodown até então — o que é impressionante, considerando que a SNK já tinha feito FATAL FURY: Wild Ambition para o mesmo PS1, e lá a engine 3D era muito menos clunky.

Aqui, tudo parece preso em areia movediça. Os movimentos são lentos, os ataques têm um peso estranho e atrasado, e o sistema de pulo — que de alguma forma consegue ser ao mesmo tempo flutuante e travado — arrasta qualquer partida para o chão. Os fundamentos são simplesmente... desajeitados. Tão desajeitados, na verdade, que é quase impossível aproveitar o jogo por mais de alguns minutos sem sentir que você está jogando um bootleg malfeito do clássico da SNK. Confesso que chequei a capa do jogo só para ter certeza de que não estava jogando algo como "Samurai Duel" ou "Ninja Shodow".


E isso é uma pena, porque — e vou repetir isso mais de uma vez — muitos dos novos personagens têm golpes divertidos e algumas animações de ataque realmente legais. Dá pra ver que os desenvolvedores tinham boas ideias enterradas ali em algum lugar. Mas coisas básicas, como animações de queda esquisitas ou movimentos bizarros e instáveis, quebram constantemente a imersão e matam o ritmo. Toda vez que uma luta quase engrena, algum movimento desajeitado ou uma estranheza visual qualquer aparece para te lembrar: Warriors Rage simplesmente não tem o polimento ou o refinamento necessários. O que poderia ter sido uma evolução interessante da série acabou se tornando uma bagunça desajeitada e lenta, mais cansativa do que empolgante.

Para ser justo, Samurai Shodown: Warriors Rage até tem algumas qualidades positivas — só que nenhuma delas envolve a jogabilidade. Se você conseguir ignorar a mecânica travada e o ritmo arrastado, dá pra ver que a SNK ainda se esforçou em manter a atmosfera e o estilo que sempre foram marca registrada da série.

Primeiro de tudo, os designs dos personagens são genuinamente legais. A SNK introduziu uma nova geração de lutadores que, embora a maioria do público nunca tenha tido chance de conhecer direito, carregavam visuais fortes e cheios de personalidade. Desde a aura de espadachim taciturno de Seishiro Kuki até a energia feroz de sacerdotisa de Rinka Yoshino, o elenco estava repleto de conceitos visuais criativos e interessantes. Pessoalmente, eu gosto muito do novo visual do Haohmaru — agora com 49 anos de idade, o que, levando em conta que o jogo se passa em 1810, pela expectativa de vida da época que ele já era praticamente um ancião. 

É óbvio que a SNK se esforçou para dar a cada personagem uma silhueta, uma personalidade e um estilo distintos — algo que sempre foi uma marca registrada da série Samurai Shodown, mesmo nos projetos mais problemáticos da empresa.


O cenário de Ritenkyo também merece reconhecimento. Sair dos tradicionais campos de batalha do Japão feudal para uma ilha imunda e sem lei, cheia de criminosos, samurais renegados e senhores da guerra exilados, foi uma escolha ousada. Essa mudança deu a Warriors Rage uma atmosfera mais sombria e desesperadora, perfeita para uma história sobre o colapso da ordem e a ascensão do caos. A construção de mundo tinha um potencial real; é só uma pena que a jogabilidade nunca tenha conseguido acompanhar esse nível de ambição.

A trilha sonora e a apresentação geral ainda adicionam um toque final de brilho. Embora a música não chegue ao patamar lendário dos primeiros SamSho, ela consegue capturar bem o tom sombrio e melancólico que combina com a decadência de Ritenkyo. E o filme de abertura — com sua animação estilosa e um toque cinematográfico inesperado — não fica muito atrás da qualidade de CG que a Squaresoft impressionava naquela época.

No fim das contas, Samurai Shodown: Warriors Rage não é apenas um ponto baixo para a série SamSho — é facilmente o pior jogo da franquia e, francamente, um dos piores jogos de luta que a SNK já lançou, ponto final. É um tropeço doloroso para uma série que, em seus melhores dias, caminhava lado a lado com titãs como Street Fighter e Fatal Fury. As ideias estavam lá — novos personagens, um cenário sombrio e intrigante, tentativas de inovação nas mecânicas — mas a execução foi tão lenta, tão desajeitada e tão frustrante que até o fã mais apaixonado teria dificuldade em defender essa bagunça.

A boa notícia, se é que podemos chamar assim, é que mesmo em seu pior momento, a SNK ainda conseguiu entregar um jogo funcional. A detecção de acertos funciona. A taxa de quadros é estável. Os comandos respondem como deveriam. Warriors Rage não é quebrado no sentido técnico — mas está quebrado onde realmente importa: na alma, no coração, na diversão. Samurai Shodown merecia muito mais do que essa produção apática e arrastada.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 070 (Janeiro de 2000)


EDIÇÃO 072 (Março de 2000)